A figuração do agir e os seus efeitos formativos: linguagem, subjetividade, ação e desenvolvimento profissional nas atividades de formação inicial de professores

 

Resumo:

 

Nesta pesquisa, própria à área da Linguística Aplicada, dedicamo-nos a analisar, com finalidades interventivas, a atividade de formação inicial de professores, assumindo, para isso, a função fundamental da linguagem no e para o desenvolvimento das capacidades epistêmicas e praxiológicas dos profissionais em formação, relacionadas sobretudo à produção de significações sobre o seu agir, as quais, para nós, são representações sociodiscursivas sobre o agir. Essas representações emergem do processo da figuração do agir, que, nesta tese, definimos como processo ontologicamente humano de apreensão e representação, na e pela linguagem, do agir. A partir de uma concepção sócio-histórica e cultural da linguagem, propomos e desenvolvemos teoricamente uma abordagem fundamentalmente linguística, enunciativa e discursiva das representações sobre o agir, produzidas especialmente em contexto formativo. Para essa proposição, assumimos as abordagens epistemológicas de Vigotski (2008), Leontiev (1978), Bakhtin (2003), Bakhtin [Volochínov] (2009), Benveniste (1989), Bronckart (2009) e Bulea (2010). A partir dessas abordagens, defendemos, nesta pesquisa, a seguinte tese: a figuração do agir é um processo de emergência e de desenvolvimento, na e pela linguagem, da subjetividade, da identidade e da consciência, para o qual concorrem a produção e a ressignificação de representações sociodiscursivas sobre o agir, que constituem a ideologia dos sujeitos e dos grupos sociais dos quais eles participam em diferentes atividades sociais. Para legitimarmos essa tese, defendemos a necessidade de contemplarmos, na problemática da figuração do agir, questões referentes à linguagem, à subjetividade, à ideologia, à identidade e à consciência, pois o sujeito que representa o seu agir representa, antes de tudo, a si mesmo como um ator sociohistórico e cultural que age no mundo, na e pela linguagem, a partir de capacidades epistêmicas e praxiológicas, construídas ao longo do seu desenvolvimento humano. Para tentarmos validar empiricamente essa proposta, considerando as atividades formativas do estágio nas licenciaturas brasileiras, analisamos a linguagem sobre o agir produzida por uma professora em formação inicial ao se confrontar com o seu agir na atividade de ensino, durante o estágio. Para isso, assumimos conceitos e métodos desenvolvidos pela Ergonomia da Atividade (AMIGUES, 2004; CLOT, 1999), baseados nos quais decidimos, como procedimentos metodológicos, gravar em áudio e vídeo duas aulas da estagiária em uma escola estadual e, após as aulas, realizar, com ela, uma entrevista de autoconfrontação simples, durante a qual ela apreendeu e representou discursivamente o seu agir na atividade de ensino, mobilizando, para isso, figuras de ação (BULEA, 2010), configuradas sob as modalidades dos tipos de discurso (BRONCKART, 2009), nossas duas principais categorias de análise. Nesta pesquisa, analisamos, então, o discurso da estagiária em sua materialidade textual, a partir do modelo descendente desenvolvido pelo Interacionismo Sociodiscursivo (BRONCKART, 2009), nossa principal fundamentação teórico-metodológica. Assim, identificamos e descrevemos primeiro os tipos de discurso, as sequências textuais, os mecanismos de textualização (coesão nominal, coesão verbal e conexão) e os mecanismos enunciativos (modalizações e vozes), com especial destaque para os tipos de discurso e para as modalizações; segundo, identificamos e descrevemos as figuras de ação, analisando a sua dinâmica de alternância e sucessão. Com essa análise, identificamos e problematizamos os efeitos formativos da figuração do agir para o desenvolvimento profissional da estagiária, como professora em formação inicial. Na análise, identificamos a recorrência do discurso interativo e do relato interativo, tipos de discurso em que há a implicação agentiva da estagiária, que se representa discursivamente como ator dotado de intenções e capacidades de ação. Esses tipos de discurso organizam linguisticamente as figuras de ação ocorrência e acontecimento passado, as quais foram predominantemente mobilizadas pela estagiária, para avaliar, na e pela linguagem, o seu agir, ora numa relação de conjunção, ora de disjunção, pelo que podemos considerar, então, a emergência de modalidades distintas de apreensão do agir pela estagiária. Essas diferentes modalidades de apreensão discursiva caracterizaram a dinâmica da figuração do agir, que, para nós, foi significativa para a formação e para o desenvolvimento profissional da estagiária, sobretudo no que se refere à tomada de consciência das suas capacidades epistêmicas e praxiológicas. Sendo assim, podemos considerar que a estagiária pôde, como resultado do processo de tomada de consciência, próprio ao processo de figuração do agir, ressignificar suas representações sociodiscursivas, o que, conforme acreditamos, contribuiu para o desenvolvimento profissional da estagiária, como professora em formação inicial. Por fim, podemos defender que a figuração do agir como um tema relativo à linguagem, à subjetividade, à consciência e ao desenvolvimento profissional é uma abordagem de análise promissora.

 

 

Palavras-chave: Figuração do agir; Linguagem sobre o agir; Autoconfrontação simples
Formação inicial de professores; Desenvolvimento profissional; Estágio de regência

Tese de Manoelito Costa Gurgel